Alguns críticos, baseando-se na história da criação de Adão e Eva, no conflito de Iblis com Deus e na tentação de Adão pelo diabo, tentam apresentar uma visão irracional, infantil e mítica de Deus nas religiões abraâmicas. Em sua opinião, o Deus das religiões é uma entidade egoísta, autoritária e punitiva, que reage de maneira desproporcional às pequenas desobediências.
No entanto, ao refletir sobre os versos do Alcorão e analisar racionalmente e antropologicamente essa história, é possível traçar uma imagem elevada, intencional e ética desse evento, que não apenas não está distante da racionalidade, mas também expressa uma visão profunda sobre a posição do ser humano, o teste divino, o papel da vontade e da liberdade, e a sabedoria da recompensa e do castigo. A seguir, analisaremos quatro pontos principais dessa narrativa.
Primeiro ponto: Por que Deus deseja adoração?
Na primeira vista, a pergunta é por que Deus pede aos Seus seres criados que O adorem? Esse desejo de um Deus autossuficiente não seria um sinal de egoísmo? A resposta é que, na lógica do Alcorão, a adoração não é para satisfazer a necessidade de Deus, mas para o crescimento dos seres humanos. Deus afirma no Alcorão:
“Ó humanidade, vocês (todos) são necessitados de Deus; somente Deus é que é independente e digno de todo louvor.” (1)
“Se você for ingrato, Deus é independente de você e nunca se agrada da ingratidão de Seus servos; e se você for grato, Ele se agrada disso para você.” (2)
“E quem entrar nele [= a casa de Deus] estará seguro, e é uma obrigação de Deus para com os seres humanos que se dirijam à casa (dEle), aqueles que têm a capacidade de ir até lá. E quem for ingrato (e abandonar a peregrinação(Hajj), causa dano a si mesmo), Deus é independente de todos os mundos.” (3)
“Aquele que luta e se esforça, luta para si mesmo; pois Deus é independente de todos os mundos.” (4)
“E quem for grato, faz isso para o benefício de si mesmo; e quem for ingrato (causa dano a si mesmo, pois) meu Senhor é rico e generoso.” (5)
Portanto, a adoração e a gratidão e o movimento em direção à proximidade de Deus são caminhos para a purificação da alma, reconstrução interior e libertação das escravidões falsas e desenvolvimento das dimensões espirituais e talentos ocultos do reino. Sob esse aspecto, a adoração é, na verdade, um exercício de liberdade contra a rebelião dos desejos internos e dos opressores externos, e um movimento em direção à perfeição e ao crescimento. Assim, a adoração é um pedido pelo benefício do ser humano, e não para o benefício de Deus.
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Notas de Rodapé:
- Surata Al-Fátir, versículo 15: “Ó humanidade, vocês são necessitados de Deus; e Deus é o Rico, o Louvável.”
- Surata Az-Zumar, versículo 7: “Se vocês forem ingratos, Deus é independente de vocês e não se agrada da ingratidão de Seus servos; e se vocês forem gratos, Ele se agrada disso para vocês.”
- Surata Al-Imran, versículo 97: “E quem entrar nele estará seguro; e é uma obrigação de Deus para com os seres humanos que se dirijam à casa (dEle), aqueles que têm a capacidade de ir até lá. E quem for ingrato, Deus é independente de todos os mundos.”
- Surata Al-Ankabut, versículo 6: “E quem lutar, luta apenas para si mesmo; pois Deus é independente de todos os mundos.”
- Surata An-Naml, versículo 40: “E quem for grato, faz isso para o benefício de si mesmo; e quem for ingrato, meu Senhor é rico e generoso.”